No mundo agitado em que vivemos, muitas vezes negligenciamos a importância de cuidar não apenas do nosso corpo físico, mas também da nossa mente e das profundezas emocionais que moldam quem somos. O professor e PhD Marcelo L. Pelizzoli, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), nos convida a refletir sobre essa conexão entre corpo e mente em seu inspirador artigo.
Cuidar do Corpo e Mente de Dor
Muito de meu trabalho de cuidado – em conexão com a Comunicação Não-Violenta e a Visão Sistêmica – parte de uma pedra fundamental que busca expressar a essência dos processos de diálogo, portanto, da escuta, e de muito da prática terapêutica. É um postulado geral de grandeza considerável, a tal ponto que podemos dizer que se refere ao sentido primeiro de tais práticas. Eis o postulado:
“Preciso ser reconhecido, querido, aceito como sou, apoiado; portanto, não ser tratado como objeto.”
Quanto mais tenra a idade, mais este postulado tem força para a vida de uma pessoa. Se em qualquer momento da jornada de uma pessoa, principalmente nos primeiros tempos de vida, houve falhas ou violações deste cuidado essencial: não fui reconhecido e querido como eu era, fui tratado como objeto, foi-me negado necessidades fundamentais, foi-me colocado obstáculos e demandas para as quais eu não tinha forças e apoio suficiente, qualquer alteração neste nível marca profundamente um sujeito e sua história, suas buscas, sua vida. Por conseguinte, quando ocorre na vida atual da pessoa um conflito ou violação, o acontecimento presente remete condicionadamente ao histórico destes sofrimentos. A dor é potencializada. Algo como uma linha de ligação entre os eventos dramáticos sofridos, como os nós em uma rede, e que é acionada com os conflitos e exclusões. A pessoa tende a perder a resiliência ou bom retorno aos processos de regulação de seu sistema nervoso e estabilidade emocional básica.
Eis um motivo essencial para o cuidado constante, para a compreensão dos conflitos, e para o reconhecimento mútuo dos sujeitos. Eis também motivos suficientes para entender que o bem lidar com os conflitos, com os outros, passou/passa por lidar com o próprio histórico de vida, com as nossas sombras (Pelizzoli, 2012 e 2016). Daí a ideia de Corpo/Mente de Dor, expressando condicionamentos encarnados que carregamos e que temos como tarefa tomar consciência e cuidar diariamente, como a criança ferida e raivosa que carregamos, e que se ativa em certos momentos.
A compreensão e a administração deste Corpo de Dor revelam uma interdependência surpreendente: quando mais cuido de mim (das minhas personas, ou partes que me compõem), mais posso ajudar o outro; mas, por reversibilidade, quando cuido do outro atuo sobre meu cuidado. Por outro lado, a ideia de que o cuidador deve estar curado para curar, não confere com a realidade. Incorre numa exigência de perfeccionismo que nos afasta da realidade humana. Além do mais, há exemplos fartos de grandes mestres e cuidadores que foram levados ao seu Caminho justamente por uma grande dor, perda, traumas, ou sofrimentos de sua comunidade e povo.
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